Hospitais
usam o método no tratamento de sintomas de doenças como cancro, asma ou insónia…
Primeiro foi a acupuntura. Agora, é a vez
de a hipnose ser finalmente reconhecida e adotada pela medicina. O método
começa a figurar entre o arsenal de recursos oferecidos por instituições de
renome no mundo todo. É usado, por exemplo, no Memorial Sloan- Kettering Cancer
Center e no M. D. Anderson Cancer Center, dois dos mais importantes centros de
tratamento e pesquisa da doença, para diminuir efeitos colaterais da
quimioterapia, como a fadiga e a dor. Também é utilizada no Hospital de Liège,
na Bélgica, como opção de analgesia. No Brasil não é diferente. Já faz parte da
rotina de serviços de primeira grandeza como o Hospital A. C. Camargo, de São
Paulo, especializado na luta contra o câncer, e ganhou espaço no Hospital das
Clínicas de São Paulo (HC/SP), a instituição que serve de escola para os
estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). As
indicações também são amplas.
Só para citar algumas, além do câncer: dor
crônica, transtorno do pânico, asma, tensão pré-menstrual, enxaqueca, analgesia
em procedimentos dentários, alergias, problemas digestivos de fundo nervoso,
fobias e insônia.
Esta
entrada definitiva da hipnose pela porta da frente da medicina não ocorreu por
acaso. O movimento está sustentado por uma gama de estudos comprovando
sua eficácia nas mais variadas enfermidades. Um dos mais recentes foi
conduzido na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e provou que o
método pode ser usado com sucesso no diagnóstico de crianças com epilepsia. Os
cientistas queriam saber se as oito participantes tinham mesmo crises da doença
ou manifestavam os sintomas - muito parecidos com os provocados pela
enfermidade - por causa de outros fatores, como stress profundo. Eles levaram
as crianças a um estado hipnótico e as fizeram imaginar que estavam tendo uma
crise. Enquanto isso, elas eram monitoradas por aparelhos de exame de imagem.
Em todas, as áreas ativadas durante o transe não foram as tradicionalmente
associadas à epilepsia. A conclusão foi a de que as crianças de fato não tinham
a doença. Agora, os cientistas querem ensinar os pequenos a evitar as crises
usando a hipnose.
Outro trabalho de resultado expressivo foi
apresentado no congresso do Colégio Americano de Pneumologia, realizado no
final do ano passado nos Estados Unidos. Coordenado por médicos do
Massachusetts General Hospital, o estudo revelou que pacientes hospitalizados
com doenças cardíacas submetidos a apenas uma sessão de hipnose tinham maiores
chances de vencer a luta contra o tabagismo após seis meses do que aqueles que
usavam adesivos para repor a nicotina. "Constatamos que a hipnoterapia
está entre as melhores opções terapêuticas contra o cigarro", afirmou
Faysal Hasan, líder do trabalho. No Beth Israel Deaconess Medical Center e na
Faculdade de Medicina de Harvard (EUA), pesquisadores constataram que a técnica
tornou mais confortável e menos dolorosa a realização de biópsia de nódulos de
mama. "A hipnose ajuda muito a diminuir o stress das mulheres que precisam
passar por essa experiência", disse Elvira Lang, professora de radiologia
de Harvard. No Brasil, as pesquisas sobre os possíveis benefícios também
começam a proliferar. Na Faculdade de Medicina da USP, campus de Ribeirão
Preto, os médicos verificaram seu efeito como terapia auxiliar contra a dor de
cabeça persistente. "Os resultados foram muito promissores. A hipnose pode
ser um tratamento coadjuvante nesses casos", afirma o neurologista José
Geraldo Speciali, professor do departamento de neurologia da universidade.
Conclusões como essas estão motivando investigações
mais profundas sobre os mecanismos pelos quais o método produz resultados. A
explicação mais plausível obtida até agora é a de que a hipnose provoca
modificações profundas no funcionamento do cérebro, alterações essas
documentadas por exames de imagem precisos e sofisticados. Os achados derrubam
por terra, de vez, a associação equivocada da técnica com algo místico,
esotérico. Não é nada disso. Hoje, o conceito médico de hipnose é claro:
trata-se de um estado alterado de consciência induzido por profissionais
capacitados. Nesse estado, há mudanças nos padrões das ondas cerebrais e várias
estruturas do órgão são ativadas com maior intensidade, em especial as
relacionadas à memória e às emoções.
O
objetivo é atingir um nível máximo de atenção para extrair da mente o que for
preciso para ajudar no tratamento, aproveitando que as condições cerebrais
obtidas deixam o paciente com maior abertura para ser sugestionado. "A
pessoa desvia a atenção dos estímulos externos e a crítica diminui. Ela passa a
entender e aceitar melhor as sugestões dadas pelo hipnólogo", explica
o médico Osmar Colás, coordenador do grupo de estudos de hipnose do
departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Um trabalho muito interessante comprovou quanto os indivíduos de fato ficam
abertos à sugestão, chegando a enganar o próprio cérebro nesse processo. O
neuropsicólogo Stephen Kosslyn, da Universidade de Harvard, induziu voluntários
hipnotizados a enxergarem cor em um painel totalmente cinza. Nos exames de
imagem, verificou que as áreas cerebrais ativadas foram exatamente as acionadas
para a percepção de cores variadas. "Isso prova que o cérebro se comporta
de acordo com as sugestões", afirmou o cientista à ISTOÉ.
Um exemplo prático desse processo pode ser
visto nos passos tomados para o tratamento da dor. "É preciso fazer com
que o paciente saia do foco da dor. Por meio da hipnose, ele deve ser levado a
se concentrar em estímulos de relaxamento e sensações prazerosas, fazendo com
que se esqueça o máximo possível da sensação de desconforto", explica a
psiquiatra Célia Lídia Costa, do Hospital A. C. Camargo. Mas essa não é a única
possibilidade. "Pode-se modificar a percepção de uma dor intensa para uma
sensação de peso ou formigamento ou reduzir o tamanho da área dolorida para
apenas uma parte", diz o clínico e psicoterapeuta João Figueiró, do Centro
Multidisciplinar de Dor do HC/SP. De acordo com David Spiegel, pesquisador do
Instituto de Neurociência da Universidade de Stanford, a alteração no entendimento
do que ocorre também traz outro benefício, além de maior conforto: "O
método reduz a ansiedade que normalmente acompanha os episódios de dor",
afirmou o cientista à ISTOÉ. Um alerta importante: os profissionais sérios
jamais tratam dores cujas causas não tenham sido identificadas.
Contra
as fobias, o mecanismo de mudança do entendimento é o mesmo. "Se a pessoa
tem medo de avião, peço que se visualize em um aeroporto entrando na aeronave.
Ela vivenciará esse momento de forma nítida e sem medo", diz o psicólogo
José Roberto Leite, da Unifesp. No caso de sua aplicação para tratar o
stress pós-traumático, o objetivo é ajudar o indivíduo a modificar sua visão do
evento responsável pelo trauma - um assalto, por exemplo. "Procuramos
dar um novo significado ao que aconteceu, para que a sensação de medo ou
ansiedade associada ao fato não apareça mais", explica o médico Luiz
Carlos Motta, presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose e Hipniatria. O
treinamento constante permite que o indivíduo aprenda a se autohipnotizar nos
momentos necessários para superar as situações desencadeantes dos problemas.
O momento atual da hipnose marca uma
virada importante para uma ferramenta cuja história foi pontuada por altos e
baixos. Um dos primeiros registros de sua utilização é na Antigüidade, pelos
egípcios. No entanto, o olhar mais científico só começou no século 18, com
pesquisas feitas pelo médico austríaco Franz Mesmer. No século seguinte, o
inglês James Braid definiu o transe como um "estado de sono do sistema
nervoso". Por isso, cunhou o termo hipnose, que vem do grego Hypnos, o
deus do sono. Posteriormente, porém, Braid se arrependeu da criação ao
verificar que hipnose e sono são coisas diferentes. No século XX, o austríaco
Sigmund Freud, o criador da psicanálise, usou o recurso no tratamento da
histeria, mas o abandonou. O resgate da técnica só veio anos depois, na
Primeira Guerra Mundial, como opção de analgesia durante cirurgias realizadas
nos campos de batalha.
Durante
todos esses anos, entretanto, charlatões se apropriaram do método e o usaram
como um rentável atrativo para shows em circos e programas de televisão.
Infelizmente, para muita gente essa ainda é a idéia de hipnose. No
entanto, basta conhecer um profissional sério e que usa a técnica com
finalidade médica para esquecer a imagem caricata de um hipnotizador de
aparência exótica, capaz de transformar seu paciente em um zumbi. Primeiro
porque o pêndulo deixou de ser o instrumento preferido da maioria dos médicos.
Hoje, grande parte das induções é feita por meio de relaxamento dirigido por
palavras ou toque em pontos específicos da face, entre outras técnicas (usam-se
ainda, é verdade, recursos como um pingente de cristal, nos casos em que o
paciente responde bem a estímulos visuais). Outro equívoco é imaginar que
qualquer um pode ser hipnotizado de uma hora para outra, mesmo contra sua
vontade. "Pessoas muito sensíveis podem entrar no estado hipnótico sem
perceber, mas é raro. Normalmente, quem não quer, resiste, e não entra em
transe. Além disso, aquele que deseja sair do estado hipnótico pode demorar um
pouco, mas consegue", diz o médico Colás.
Colaborou Adriana Prado
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/11418_A+MEDICINA+APROVA+A+HIPNOSE